Imagens do futuro

Engine Block, Re-do Studio, 2014

Continuando o nosso percurso curatorial, pinçamos no livro de Arlindo Machado o trabalho do artista catalão Antoni Muntadas, cuja obra é “extensa e variada: compreende vídeos, programas para televisão, instalações multimídia tanto em espaços fechados quanto em espaços públicos, intervenções na paisagem urbana e, mais recentemente, projetos para a Internet” (p. 20). A respeito do último, indicamos a obra The File Room, um arquivo digital com excertos audiovisuais de diversos materiais censurados, seja por motivo político, moral ou outros. Outro trabalho relevante, de 1989, é Video is Television?, em que o artista revela os mecanismos ideológicos de manipulação de imagem, inserindo, em meio aos frames de diversos produtos culturais e jornalísticos, palavras de ordem, como se fossem palavras que traduzem o modo de controle midiático, técnica utilizada por artistas como Barbara Kruger, Jenny Holzer e outros. Segundo Machado, “para proceder ao exame crítico dos mecanismos subjetivos com que trabalha, por exemplo, a televisão, Muntadas recicla as imagens e os sons da própria mídia eletrônica, justapondo fragmentos uns em seguida aos outros, como se estivesse zapeando, porém num ritmo muito mais lento, de modo a permitir um exame mais sistemático de seu modo de funcionamento. Basicamente, ele faz correrem na tela, tal e qual foram nela encontrados, spots publicitários, programas religiosos, propaganda eleitoral ou créditos de abertura e encerramento de programas, todos eles tomados dos mais diferentes canais, dos mais variados modelos de fazer televisão nas várias partes do globo.O resultado perturbador é que tudo, seja qual for a fonte ou a origem, é tristemente igual e repetitivo, confirmando uma espécie de variação infinita em torno da identidade única” (p. 21).

The File Room, Antoni Muntadas, 1994

A segunda etapa de nosso exercício de pensamento projetual aplicado à teoria estética implicou em responder, com base nas associações dos baralhos metodológicos, a quarta pergunta feita por Bruno Latour em seu texto sobre a crise do coronavírus: quais as atividades agora suspensas que você gostaria que fossem ampliadas e/ou retomadas ou mesmo criadas a partir do zero? É, guardadas as proporções, um exercício de futurismo, prática hoje estabelecida no mundo corporativo. Por exemplo, a Microsoft - por intermédio de sua subsidiária de pesquisas, a Microsoft Research - parece mesclar um dos conceitos estratégicos de gestão de empresas, o de visão (o qual, ao lado de missão e de valores, mostra aonde a empresa quer chegar e traz seus objetivos de longo prazo), e a noção de "visionar" (envisioning), que tem mais a ver com antecipação prospectiva de cenários, prática que ficou conhecida como pesquisa de futuros (esse método de gestão é um dos legados da ciência cibernética, ou seja, a tentativa de orientar o esforço de um sistema organizacional na direção de uma meta futura). Mas como pode uma empresa considerar cenários futuros quando ela se depara com uma situação do tipo "NO FUTURE!", bordão oriundo da subcultura punk? Nesse caso, é apropriado aplicar a descrição de visão oferecida pelo design de transição (Carnegie Mellon University), onde uma visão é modificável de acordo com situações específicas. Tais visões não são concebidas como um plano-diretor, ao contrário, permanecem abertas e têm um aspecto especulativo. É um processo circular, iterativo e propício a erros que pode ser usado para prever conceitos radicalmente novos para o futuro próximo, valendo-se de métodos radicais, como desenvolvimento de cenários prospectivos, future casting e design crítico.

Microsoft Research, Productivity Future Vision, 2015

Os futuros imaginados como resultado do exercício mostram características multivariadas. Sistemas de encontros virtuais, em plataformas de “transformação energética” (do tipo fotossíntese), motivados por mudanças ambientais, do mesmo modo que os castores, os “engenheiros alogênicos”, constroem diques, alterando o ecossistema. Detectores de desnutrição modelados segundo o comportamento do fungo mucilaginoso, conjunto de organismos eucariotas que "calcula" de modo ótimo a menor distância entre a sua posição e uma fonte de alimentação. Tecidos com proteção solar para boias-frias do gênero feminino em conjunto com um sistema de proteção social que inclui habitação, saúde e educação (uma nova economia política!). Um modelo de agricultura doméstica inspirada nas espécies pioneiras que iniciam o processo de sucessão florestal. E assim por diante. Uma noção ronda todos os protótipos: resiliência. Que talvez não seja exatamente a propriedade de retornar à forma original após um sistema ter sido submetido a uma deformação, perturbação ou eutrofização; mas sim a capacidade de ele encontrar uma nova forma. Essa diferença faz toda a diferença! A terceira etapa do exercício atira os participantes de volta ao campo gravitacional da arte, da arte digital. Trata-se agora de navegar pelos cento e vinte e quatro verbetes do gênero bioarte no Archive of Digital Art e tentar encontrar (por acaso?) uma obra que inspire algo do protótipo. Mãos à obra!

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