Outro cinema

Jollies (1990), de Sadie Benning

Na live Coronavida: prólogo de confinamento, parte do Seminário de Cultura e Realidade Contemporânea (Escola da Cidade), Giselle Beiguelman inicia sua fala mencionando a política de confinamento do COVID-19, espécie de sonho do neoliberalismo, ou a disposição total dos trabalhadores (por enquanto, os do conhecimento) ao processo produtivo, dando-lhe permissão para invadir suas privacidades mais íntimas, inclusive, em breve, o sono, pesadelo previsto por Jonathan Crary no livro 24/7: Capitalismo tardio e os fins do sono. Tirante a questão do futuro do presente do mercado de trabalho, o fato é que todos estamos em quarentena. Em vista disso são propostos dois exercícios de audiovisual que exploram a questão do confinamento. O primeiro é encarnar o personagem do escritor francês Xavier de Maistre no livro Viagem ao redor do meu quarto (1872) e redescobrir um espaço que nos é tão familiar: a nossa casa. Que recônditos secretos aguardam ser revelados? Quais objetos enquadram-se no rol de coisas prestes a serem esquecidas? Que pontos luminosos podem ser despertados com objetivos mágicos? Dois filmes servem de inspiração: Mothlight (1963), de Stan Brakhage, e Jollies (1990), de Sadie Benning (1990), artista visual que iniciou sua carreira com uma câmera PXL 2000, presente de seu pai, o diretor James Benning. O exercício é, na verdade, um exame das estéticas da intimidade por intermédio de tecnologias da intimidade, como o Vlog e, hoje, as stories. A segunda tarefa, não menos importante, é elaborar um autorretrato que não se paute pelas atuais produções caseiras do TikTok. A inspiração aqui advém do livro Manual de caligrafia e pintura, de Saramago, no qual os modelos são retratados com pequenas imperfeições.

Anthony McCall, You and I, Horizontal, 2005

Nunca é pouco lembrar que estamos no campo do cinema expandido, conceito criado por Gene Youngblood no livro Expanded cinema (1970). Ou seja, o que pode ser cinema quando não se é cinema? Uma obra de videoarte, por exemplo, é um forma de cinema expandido. Nesse tom, pergunta-se se as experiências de projeção mapeada também seriam cinema... É cinema, sim, como afirmou Roberto Cruz na exposição de mesmo nome, realizada no Itaú Cultural em 2008. Ou todas as referências do livro O cinema e seus outros, organizado por Lucas Bambozzi e Demétrio Portugal. Outro exemplo importante, este já adentrando-se na arqueologia de mídias, é Powers of ten (1977), documentário dirigido por Charles e Ray Eames que busca representar a escala relativa do universo de acordo com uma ordem de magnitude com base em um fator de dez (hoje é possível realizar as primeiras ordens de magnitude com muito mais facilidade por meio do serviço Google Earth Studio). Há inúmeros outros. Quais? Descubra. 

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